quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Uma recordação e um cigarro.




"És tudo o que me resta..." - estas eram as palavras silenciosas que se esfumavam dos seus lábios sempre que fumava o seu único e habitual cigarro. Para Matilde, fumar não representava um vício, não se tratava de um vício qualquer, mas sim de uma forma de relembrar como a vida pode ser tão escassa quanto um simples cigarro. Começou a dar os seus primeiros bafos na noite seguinte após o funeral do seu irmão e já lá vão dois anos. - Fumar mata - é a mensagem que cada maço quer transmitir antes e depois de ser violado 20 vezes num dia, numa semana ou num mês, mas a vida também mata quem nunca fumou. E o seu irmão morreu sem nunca ter fumado! Matilde detesta fumar, não suporta o odor que inala, não aguenta a chapada agressiva do fumo branco perfumado, a morte lenta vindo directamente dos seus pulmões para seus olhos verdes cor de esmeralda. E no fim, sempre chora quando está sozinha. Fumar, para Matilde, é reviver o passado. É também uma fonte de esperança... porque a vida talvez seja só dois dias, e a dor no segundo dia pode sarar. A dor só é de alguém quando se ama outro alguém e Matilde amava para lá das estrelas o seu irmão. A verdade é que a Matilde é filha única e o seu irmão nasceu de uma simples amizade de escola. "És tudo o que me resta..." - afinal, a vida já fascinou e dominou Matilde assim como também já a matou. Quem nunca escondeu os seus pecados no vício curto do cigarro? Quem não fuma para recordar? Quem?

2 comentários:

Anónimo disse...

Quis comentar quando percebi que acabas sempre os teus textos com uma pergunta. Quero responder-te e dizer-te que há várias maneiras de lidar com a dor da perda. Matilde encontrou no cigarro um amigo. O amigo que perdeu. A forma de o recordar. O cigarro faz-lhe tão mal mas faz-lhe tão bem. Que se lixe o cigarro, porque o detesta, mas como há-de resistir se lhe faz tão bem? Gosto da maneira como falas das coisas complicadas, tornando-as tão simples. Gosto da analogia que fazes entre a efemeridade da vida e um curto cigarro que acaba tão depressa. Mas dá prazer. Tudo o que é bom acaba tão depressa. Mas para Matilde este pequeno vício traz-lhe o amigo o que é tão bom. O cigarro, o curto cigarro, é tudo sem parecer tão pouco. O cigarro é o que partilha com o amigo que guarda no coração. Faz tão mal mas é tão bom. Quem lhe dera ter 1, 2, 3, 4 cigarros. Ou quem lhe dera não precisar de fumar para sentir o amigo com ela. O cigarro é a vida do amigo que recorda no coração. Quanto à pergunta: Tudo o que recordamos com saudade é porque valeu a pena viver. Com o cigarro na boca, com o amigo no coração ela vive a amizade que está presa a ela. E fá-la feliz, mesmo que lhe faça mal. O mal faz-lhe tão bem. Não pelo cigarro, mas pelo amigo que guarda no coração. A vida é assim, efémera e bela. Há sempre o inverso da moeda, mas se é bela devemos aproveitá-la ao máximo e não perder-mos tempo a pensar porque raio o tempo é tão curto. : )

Sofia Pêga disse...

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