segunda-feira, 12 de outubro de 2015 2 comentários

Escolhas de papel e um cigarro.



"Só tinha de terminar o ensino secundário, ir para a faculdade e encontrar uma pessoa..." - Mas não foi isso o que aconteceu, em parte. As pessoas sempre olharam para mim e viam o que queriam ver, uma rapariga especial com uma determinada vida e um futuro promissor. Há uma altura em que tu tentas enganar-te a ti própria, em que deixas de saber se és tu ou passas a ser a personagem que os outros criaram dentro de ti. E é tão fácil e enganador pensar que uma pessoa é mais do que uma simples pessoa.
Todos os dias faço escolhas, mas tornou-se raro encontrar aquele tipo de escolha que acelera o meu coração tão rapidamente como se ele quisesse saltar para fora do peito. Tornou-se algo raro, bastante mesmo. Até acender hoje o cigarro enquanto vislumbro a cidade pela minha janela e oiço a chuva a cair, já não é a mesma coisa como da primeira vez. A verdade... a verdade é que a realidade cansa, desgasta e tira-te a capacidade de acrescentar vida à tua vida. Em vez de guardares tempo para ti, vives apenas para aquilo que os outros esperam de ti. Todos nós preferimos fugir de vez em quando, todos nós o fazemos. Sair com aquelas pessoas a quem denominados de "amigos", ir a qualquer lado e beber uns copos, fumar no intervalo do trabalho ou até mesmo ficar em casa e não sair é uma forma de fugir à realidade. Vale tudo, desde que não sejas tu e não exista um caminho para seguir. E quando assim o é, tu tens um problema.
Prefiro fugir para uma cidade de papel, ficar isenta de sentimentos e não deixar que me toquem. Sei que já vivi muitos momentos mas não estava lá. Eu não estava lá. Sempre me senti uma estrangeira dentro de mim própria, foi isso o que aconteceu até hoje. Nunca quis olhar para dentro de mim e quando não o queres, continuas a fazer tudo por tudo para continuares a viver para fora de ti. A minha desculpa é desculpar a Matilde vezes de mais. Tê-la deixado morrer quando parei de fazer coisas que aceleravam o meu coração. É nesse momento em que tu te esqueces do teu milagre, o de viver a tua vida sem fugas.
Quantas realidades tens dentro de ti? E quando todos os outros fazem as coisas pela última vez, quando é que tu começaste a fazer coisas pela primeira vez?

Sou a Matilde e estas são as minhas escolhas de papel.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014 4 comentários

Uma tatuagem e um cigarro.



"Talvez esta tenha sido a coisa mais ingénua e inocente que fiz até hoje."... eram as palavras que nasciam nas folhas brancas do seu diário cor-de-rosa enquanto fumava o seu habitual cigarro do dia. Matilde tatuou o seu corpo pela primeira vez aos 16 anos, num dia em que encheu os seus pequenos pulmões de menina de rebeldia e soprou contra a vontade dos pais. Nunca foi fácil para Matilde ir contra a "tradicional" vontade imposta pela sua família, sentindo-se por vezes à parte, como se a sua família não fosse verdadeiramente dela, como se tivesse sido adoptada por estranhos com um mapa de vida todo planeada... e Matilde não encaixava, nunca encaixou em momento algum da sua infância naqueles planos. Ela era diferente daqueles dois seres... queria mais, queria viver mais, queria arriscar mais, queria viver a sua vida com direito a tudo de bom e de mau, queria sentir o mundo a seus pés pela sua própria conta. A sua primeira tatuagem representava mais do que um simples símbolo da sua juventude carregada de rebeldia, era o início de algo, o princípio do desejo de querer assumir as rédeas da sua vida e de marcar a diferença. Passados 7 anos, Matilde tem agora mais duas tatuagens espalhadas pelo corpo. Para ela, representam sinais de esperança, mensagens codificadas que só ela entende, planos de vida forjados na pele... um começo de tudo. Matilde é louca pela vida, mas sempre teve medo de a viver. Talvez pela educação que recebeu, pelo apoio que nunca teve na infância, pela família "estranha" que a acolheu... Matilde ainda consegue sentir a mão do seu pai na sua face pelas duas chapadas que recebeu daquele dia. A sua pele tatuada ainda dói com a amargura do carinho que nunca recebeu. O que significa para vocês ter uma tatuagem? Serão as tatuagens formas de comunicação do nosso interior?
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014 2 comentários

Uma recordação e um cigarro.




"És tudo o que me resta..." - estas eram as palavras silenciosas que se esfumavam dos seus lábios sempre que fumava o seu único e habitual cigarro. Para Matilde, fumar não representava um vício, não se tratava de um vício qualquer, mas sim de uma forma de relembrar como a vida pode ser tão escassa quanto um simples cigarro. Começou a dar os seus primeiros bafos na noite seguinte após o funeral do seu irmão e já lá vão dois anos. - Fumar mata - é a mensagem que cada maço quer transmitir antes e depois de ser violado 20 vezes num dia, numa semana ou num mês, mas a vida também mata quem nunca fumou. E o seu irmão morreu sem nunca ter fumado! Matilde detesta fumar, não suporta o odor que inala, não aguenta a chapada agressiva do fumo branco perfumado, a morte lenta vindo directamente dos seus pulmões para seus olhos verdes cor de esmeralda. E no fim, sempre chora quando está sozinha. Fumar, para Matilde, é reviver o passado. É também uma fonte de esperança... porque a vida talvez seja só dois dias, e a dor no segundo dia pode sarar. A dor só é de alguém quando se ama outro alguém e Matilde amava para lá das estrelas o seu irmão. A verdade é que a Matilde é filha única e o seu irmão nasceu de uma simples amizade de escola. "És tudo o que me resta..." - afinal, a vida já fascinou e dominou Matilde assim como também já a matou. Quem nunca escondeu os seus pecados no vício curto do cigarro? Quem não fuma para recordar? Quem?
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014 0 comentários

Uma carta e um cigarro.



Se falar de amor não é fácil, para a Matilde torna-se uma tarefa quase impossível. Porque o amor é tudo e não é nada. "O amor é..." - escrevia Matilde na sua carta enquanto fumava o seu habitual cigarro. "...oxigénio, mas também pode ser um tampão para os meus pulmões. Posso morrer de amor, mesmo que não seja fácil amar-te. Posso esquecer-me do limite do sofrimento, mas não posso escolher deixar a vida passar por mim sem te amar. Amar é outra coisa. E o meu amor por ti é como uma fénix, nasce e renasce das cinzas até voltares do nada e incendiares-me toda por dentro com um simples "olá". Já tentei ficar bem depois de te ver partir, e depois do depois, quando já nem te sinto em mim novamente, pergunto-me, o que ficou no lugar do nosso amor? Porque amor é outra coisa e nós fomos qualquer coisa numa terra de estranhos que não sabem amar. E hoje, escrevo para ti, escrevo para que possamos os dois aprender a conjugar o verbo desistir. Por favor, ajuda-me. Eu não te quero mais na minha vida. Aceita as minhas palavras e salta do meu coração em andamento como se de um comboio expresso se tratasse, e por favor, não te magoes tanto como eu. Deixa-me partir e tentar como se fosse possível, terminar o puzzle do meu coração sem ti com peças de outras pessoas. Por fim, aceita que a nossa história de amor tinha de terminar, não por falta de sorte ou falta de amor. Simplesmente tinha de terminar... o meu amor por ti será sempre outra coisa. A vida sem ti será sempre outra coisa e esta carta de cor branca e letras tão macias não é uma despedida, é outra coisa..."
P.s: Amar só se ama uma vez.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014 0 comentários

Uma escolha e um cigarro.



"Sigo o meu caminho como se não pudesse mudar de rota."... esta foi a última publicação que Matilde tinha visto momentos antes de desligar a sua sessão do instagram e voltar ao estudo intensivo para a frequência de odontologia que iria ter na próxima semana. Por vezes, Matilde sentia-se tão perdida e afundada entre tantos livros de autores experts nos assuntos, apontamentos todos bonitos, fotocópias e pesquisas na internet... havia tanto para decorar e tão pouco tempo para o conseguir fazer. Estivesse ela na biblioteca da escola ou na secretária do seu quarto alugado, tudo lhe lembraria uma ilha deserta onde os barcos avistados não passavam de meras ilusões de salvamento. "O pior já passou..." - dizia ela para si, depois de ter concluído com êxito o seu primeiro ano da licenciatura e de ter concorrido, no segundo ano, a uma bolsa de Erasmus para Praga, capital da República Checa, com a necessidade emergente de se poder libertar momentaneamente de todas as escolhas que os pais lhe tinham impingido a vida toda. Ou não viesse Matilde de uma família bem estruturada, com um bom estatuto social e uma excelente carreira ao nível da medicina. Desde pequena que sempre ouvira dos seus pais: "Matilde, um dia serás uma médica de sucesso como o pai...", "Matilde, tens de te aplicar para conseguires entrar na faculdade de medicina..." ou então "Quando fores médica, os pais vão ter muito orgulho em ti...", frases que ecoam na sua mente até aos dias de hoje. Matilde sentia-se sem controlo do seu próprio destino, todas as escolhas que haviam para fazer, já tinham sido feitas por terceiros completamente equivocados sobre os seus interesses e desejos. Aquela frase que lera no instagram assentava que nem uma luva à descrição da sua jovem vida... tudo o que ela precisava era de um único cigarro para esquecer a terrível sina que era viver um caminho que não era o dela, e este era um dos piores castigos que a vida lhe dava. Será que os pais de Matilde queriam mesmo o melhor para ela? Será que os pais sabem mesmo o que é melhor para nós?
terça-feira, 2 de dezembro de 2014 1 comentários

Um comboio e um cigarro.



"A vida transforma-se numa estação de comboios e o vento anuncia-nos a chegada antes do alcance do olhar."... terminava assim Matilde de ler mais um capítulo do seu novo livro, momentos antes de apanhar pela sua primeira vez na vida um comboio com destino marcado para Lisboa. A noite já tinha tropeçado no Sol e poucos eram os passageiros que em terra esperavam como Matilde pela hora prometida. A sua ansiedade era tremenda, Matilde sentia naquele momento um nervoso miudinho a percorrer-lhe todo o corpo e um autêntico formigueiro nos pés, fazendo com que não parasse quieta um segundo de um lado para o outro no meio da estação, olhando constantemente para o negrume da noite na esperança de ver o brilho de uma luz diferente das outras. Com um casaco verde comprido até ao joelho, um carapuço cheio de pêlo polar a proteger-lhe a cabeça do frio, uma malha em tons de creme que a aconchegavam por dentro, umas calças de ganga e uma mochila às costas, Matilde sentia-se mais do que preparada para enfrentar o frio daquele noite de Inverno e os seus novos desafios profissionais que a esperavam do outro lado da linha. Lisboa, tinha-lhe sido prometida após deixar para trás família e amigos. Depois da tão insofrida espera ter terminado, Matilde como rapariga prática que era, colocava logo em acção o seu terrível hábito rotineiro de querer escolher um lugar junto à janela, esquecendo-se de todo o nervosismo que até então a tinha consumido. A única companhia que tinha do outro lado daquela janela de ecrã escuro eram as luzes das casas, das ruas, que à distância assemelhavam-se a promessas falhadas por quem nunca tinha lutado pelos seus sonhos, ficando à margem da cidade prometida... Matilde queria mais, queria pertencer à cidade das luzes, da agitação, das filas de espera, das pessoas... das promessas. E durante mais de metade do tempo da sua viagem, Matilde entreteve-se a desenhar no seu tão adorado bloco cor-de-rosa de folhas brancas, enquanto esperava ansiosamente por fumar o seu primeiro cigarro naquela que seria a sua primeira estação prometida que os ventos anunciavam para lá do alcance do seu olhar. Será que o nosso destino é uma eterna promessa? Devemos nós sair da nossa zona de conforto e agarrar o "inagarrável"?
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014 1 comentários

Um amigo e um cigarro.



"Tenho de aprender a respirar o ar que já não partilhamos."... dizia ela para o seu jovem coração já mastigado com a fervura da juventude, depois de terminar a leitura de mais um capítulo do seu novo livro. Para Matilde, ler é como estar apaixonada, é sentir borboletas na ponta dos seus dedos até ao mar verde esmeralda dos seus olhos, é encontrar um novo mundo e refugiar-se nele. Matilde nunca tivera a noção das horas que depositava em cada viagem, de capítulo em capítulo, de livro em livro até voltar a se encontrar novamente em si. Em todas as viagens que seguia, depois de apanhar a sua boleia na mesa de cabeceira com destino marcado à cama ou ao seu sofá da sala. Matilde sempre perdia meio segundo para tentar encontrar os seus tão bem feitinhos óculos que lha davam um ar de intelectual, feitos com a massa mais fina e leve, de cor branca, que lhe assentavam que nem uma luva. Com um rosto de princesa, os lábios mais bem desenhados que deus alguma vez fizera, com um pequeno sinal entre o seu nariz e o lábio, uma pele de invejar o toque das pétalas de uma rosa, Matilde possuía todas as características de um anjo descido à terra. Era impossível passar por ela na rua e não lhe ficar indiferente... e mesmo assim, ele partira e ela tivera de voltar a aprender a respirar o velho ar. Como sempre, no fim de cada alucinante e apaixonante viagem, um cinzeiro e um único cigarro a esperavam na estação para lhe dar as boas vindas. O fumo branco que lhe saia por entre os lábios e narinas tornava-se a sua única consolação, após mais uma viagem que a deixou sozinha em terra. Será que também adoram viajar como a Matilde o faz? Será um simples livro capaz de se tornar o nosso melhor amigo?

 
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